Chão de Ouro

Morar em uma cidade pequena, com menos de dez mil habitantes, implica uma série de coisas, umas positivas, outras negativas. E a eterna "obrigação" de explicar porque a escolha de viver assim. Minha dentista não entende porque eu me mudei pra cá depois de viver por aí em cidades universitárias, com toda a oferta cultural disponível para o meu deleite. De fato, aqui não tem cinema, não tem área esportiva, meus amigos, na sua maioria, moram em outras cidades, a chance de encontrar o famigerado Príncipe Encantado é mínima. Mas eu tenho neste cantinho de mundo, a paz do meu silêncio, toda a poesia da vida - afinal, acordar com o canto dos pássaros não é algo muito comum - tenho o conforto de um lar, com tudo que tenho direito e mais um pouco, e isso quer dizer, pai, mãe, irmão, os amigos e as amigas do meu irmão, o cachorro do meu irmão, uma gata - que envelhece gorda e menos agressiva - uma ama de casa, vizinhos e as conversas de vizinhos. Cá neste lugar, eu tenho a simplicidade que os seguidores da Nova Era tanto procuram e só encontram em spas de Nova York. Enquanto eu puder, ficarei por aqui, sorvendo minhas manhãs em mates de boa conversa com meu pai, observando as aves que se deliciam com as frutas da época, e nos despedindo das andorinhas, amigas fiéis, mas que não gostam do inverno. Estarei por aqui, compartilhando momentos de mãe e filha, confabulando feminices, aprendendo a ser mulher. Rindo das divertidas histórias do meu irmão, dividindo com ele suas vitórias cantadas por outras vozes. Gosto muito do meu viver em uma terra que não põe nem impõe medo aos seus filhos, me agrada esse ritmo daqui, não preciso de relógio pra comprar o pão, nem pra visitar os meus. Por mais que tentem me dizer que estou errada, que aqui não é o meu lugar, cada vez que eu vejo as vacas solenes pastando no campo e vejo também o horizonte azul, do alto da minha morada, simplesmente não me penso em outro chão, senão o desta terra de ouro.