14.6.09

Era julho de 63

28 de julho de 63, fazia muito frio e Olímpia estava na janela do andar de cima do sobrado. As noites de inverno são quase glaciais no sul deste país tropical, que de tropical mesmo só tinham as unhas coloridas dos pés de Olímpia. Ela estava só, bebendo um vinho colonial, trazido pelos mercadores das estradas do interior, um presente em troca de regalias tributárias. O amargo daquele vinho secava cada vez mais a sua boca, enquanto isso, o telefone tocava na sala de estar, então ela desce e atende, "alô?", e uma voz semi-aguda pergunta pelos seus irmãos, "saíram, só voltam amanhã", e antes de desligar ela pergunta sem segundas intenções, "que tá fazendo?", nada, ele responde, porquê? "nada, só pra saber, quer vir aqui? também não tô fazendo nada", e ele diz "tá, eu passo aí depois".
Olímpia não queria nada, estava apenas entediada com este frio, com o silêncio das ruas, precisava ouvir alguma voz diferente da sua, algum som estranho que não fosse o de Ali Farka Touré. Duas horas depois os faróis do carro de Nicolas refletia nos vidros do sobradinho da esquina. Ele é como se fosse de casa, ela nem desceu para abrir a porta, ele conhecia os segredos daquela casa, e foi entrando, chamando por Olímpia, ele entediada ficou feliz de ouvi-lo, e gritou "aqui em cima"... e então o carrocel de discos troca para o CD de Glória Stefan, ela o recebe com um castiçal iluminado e uma taça de vinho, quando se encontram no corredor, ela apaga a chama da vela e o supreende num beijo roubado, só se ouve os estalidos do cristal caindo no chão e o vinho escorrendo pelas frestas do assoalho.

Começo de mais uma história de Olímpia.

3 comentários:

Luís Galego disse...

e aqui me perdi e ganhei um post passado no ano em que nasci...

Dona-f disse...

adoro quando vens aqui

Fabio Fernandes Cruz disse...

Fernanda,aposto que por aqui muitas pessoas se refletem no lago dessas palavras líquidas, de úmida alma.
muito bom passar por aqui.