19.8.07

Um teclado, por favor!

Certa vez, me peguei pensando sobre a liquidez, ou melhor, a "congelez" de meus relacionamentos, com menos ímpetos que na minha turbulenta imaginação. Que fizeram os teclados e as telas que revolucionaram o diálogo dos casais? Alguém me convida pra sair, e a primeira coisa que vem em meu pensamento é: Um teclado, por favor! Seria mais fácil carregar um laptop para os encontros casuais, onde as perguntas e as histórias fluem como um rio em direção ao oceano, suave e tranqüilamente quando estamos do outro lado da tela.

E de repente, meu par, naquele final de tarde, me pareceu tão estranho, como se nunca tivéssemos nos visto antes. Acostumei-me com a caixinha e o bonequinho verde no centro da tela. De repente, nosso diálogo estava vazio, nossos filmes não eram os mesmos, nosso tempo não estava no mesmo relógio e minha vontade de tocar-lhe a boca eram suprimidas por um gole de mocachino frio. E o único vestígio de calor entre nós, era a vela incrustada na garrafa velha de champanha. E na comanda está escrito: Dois cafés para o casal de melindrosos ao fundo do salão, que mais discutem seus filmes preferidos, numa patética competição, desrespeitando toda e qualquer teoria sobre gosto e estilo de vida. Bourdieu certamente teria um colapso se nos ouvisse.

A conta, por favor! Isto é tudo, já estou líquida outra vez.


7 comentários:

Camila Costa Silva disse...

a modernidade me parece um belo antro de contradições: ainda não inventaram uma super tela capaz de transmitir o calor e aqueles abstratos que são as coisas mais concretas que gostaríamos. no entanto, é nela que a gente se entrega, àquele painel impessoal, aquela coisa comum. é pra ela que dedicamos tudo o que falta à mesa, ao lado do vinho, a quem. a verdade é que no nosso brinquedinho de digitar suprimos, pelo próprio desejo, tudo o que falta: criamos a voz, vemos o riso ou a cara rubra com aquele último comentário – e os filmes passam enquanto teclamos, as músicas se repetem e o encontro é deslumbrante. com o outro, a fantasia é justa, cada um com a sua – e não dá pra saber o que vem de lá, ficam ambos na espera, tremendo. e a presença, que era tudo, quase estraga a imaginação. quem sabe um vinho?

marquinhos souza disse...

Fernanda, não atente contra Neruda!
Pablo é gênio!
Apenas isso!
E nesse apenas está tudo que possa existir nas melhores palavras!

será que um teclado é necessário?
as mesmas letras que escrevem belas palavras, quando dançam e trocam de par, podem transformar-se na maior das ofensas!
e as vezes, sem dançar, sem se mexer, saem como lindas obras e são interpretadas como os piores rabiscos!
Nessa hora eu queria ser um Franjinha, um Professor Pardal, para poder criar um gps das letras que impedisse que elas se perdessem dos sentimentos de origem!
eis um sonho!
talvez o mesmo que teus desenhos representem!
provavelmente não! mas enquanto não tenho a certeza, gosto de pensar que sim!
beijos

Dona Fernanda disse...

Camomila, um vinho seria ótimo, pois possui uma inebriante forma de aproximar os lábios daquilo que lhes dão mais prazer e alegria.

Marquinhos, queria um gps pra palavra diálogo, isso seria realmente um sonho.

Devaneios em Série disse...

esse é o mal da modernidade, trocamos a boca pelos dedos na hora da fala. uma coisa tão simples, iniciada como processo natural do nosso desenvolvimento, tornou-se um bicho-de-sete-cabeças. pelo menos houve bom gosto na escolha do café. Cabe a ti, agora, testar o mesmo programa com outrem...quem sabe amanhã às 19h?

adorei o texto =)

Dona Fernanda disse...

devaneio, talvez amanhã às 19h eu esteja no cinema, assistindo o primo safado, pelo menos ele eu sei que usara os dedos na hora certa e com o dispositivo mais natural (risos)!

Telejornalismo Fabico disse...

*




espaços diferentes, comportamentos diferentes.
talvez algumas relações nunca devessem sair dos teclados - e talvez por isso muita gente reluta em encontrar o 'ente' com quem tecla animadamente.

esses momentos de estranhamento, em que o silêncio não cúmplice se instaura são terríveis. são abismos, desses que a gente não sabe se pula ou empurra o outro.
e saber lidar com eles, ali, ao vivo em em 3D talvez seja o grande mistério das relações.
que por sinal, continuam tão misteriosas quanto dois mil anos atrás.

Bauman chama de amor líquido.
medo.




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Dona Fernanda disse...

Sean, eu adoro o Bauman, cada vez que o leio, descubro um universo sensível que paira na atmosfera do meu ser.

Medo eu tenho daquilo que alguns chamam de solidez, outros de instiuições (falidas)!